O ter destruidor e o grande paradoxo ambiental
Não haverá restauração ambiental e climática sem a mudança do comportamento humano e seus hábitos de consumo.
Enquanto sobram discussões sobre a destruição da Amazônia, as mudanças climáticas e outros assuntos ambientais de relevância midiática e de interesse de grandes grupos econômicos, pouco se fala sobre o que está no centro do problema – os hábitos humanos.
Neste artigo trago um olhar sobre a responsabilidade individual na preservação ambiental, destacando questões comportamentais, éticas e também armadilhas da indústria do consumo que nos levam a cada dia destruir o planeta. Afinal, alguém consome a árvore derrubada da floresta, o ouro do garimpo ilegal, o boi do pasto, o combustível fóssil, o produto de mão de obra infantil, a embalagem descartável.
Consumo consciente, desejo e utopia
Interromper o consumo predatório é a única forma de cortar o problema ambiental pela raiz. Mas, aparentemente, a humanidade está longe disso. Apesar de existirem pessoas interessadas em mudar seus hábitos para tornarem-se consumidores conscientes, que por definição é “aquele que leva em conta, ao escolher os produtos que compra, o meio ambiente, a saúde humana e animal, as relações justas de trabalho, além de questões como preço e marca” [i], aplicar esta atitude no dia-a-dia é um desafio gigantesco.
Na teoria, o consumidor consciente busca o equilíbrio entre a sua satisfação pessoal e a sustentabilidade e valoriza as iniciativas de responsabilidade sócioambiental das empresas, dando preferência às companhias que mais se empenham na preservação do planeta.
Mas, cabe-nos perguntar se isso realmente acontece na prática. “Consumidores conscientes” estão realmente conscientes de seus hábitos consumo? Estes são imunes a propaganda e suas propostas de status, modernidade, conveniência, inovação e mentiras? Será que empresas realmente éticas e sustentáveis tem vez em um mercado massificado, onde os valores ainda estão no ter e não no ser?
O consumidor é coletivo
“Uma das premissas fundamentais do moderno campo do comportamento do consumidor é de que as pessoas frequentemente compram produtos não pelo que eles fazem, e sim, pelo que significam”. [ii]
Consumir determinado produto, serviço ou quantidades dos mesmos, se trata de mostrar para o coletivo o status social. Logo, o consumo de status é um ato supérfluo cujo principal objetivo do consumidor é ostentar a classe à qual pertence ou deseja pertencer. Desse modo, o consumo está diretamente relacionado à estrutura, ao todo social, que ainda valoriza as pessoas pelo o que elas têm e não pela sua simplicidade e relação ética com o planeta.
Status e o paradoxo do consumo verde
Neste sentido, para atender a necessidade humana de status pelo consumo, produtos verdes devem conferir ao consumidor um diferencial nobre, de exclusividade, perante o coletivo. Fato paradoxal à preservação do planeta, pois para terem efeitos positivos, os produtos verdes devem alcançar escalas coletivas, não é o consumo de poucos.
Paradoxalmente, também, produtos verdes não estão necessariamente relacionados a tão valorizada inovação. Sendo esta, afinal, em muitos casos, a grande vilã na destruição ambiental.
A inovação não é obrigatoriamente progresso
Existem inúmeros exemplos onde a inovação foi um tiro na responsabilidade socioambiental e hoje o retrocesso ao passado é a solução para os problemas criados. Ainda, muitas vezes, sem piada, este retorno ao antigo é fatalmente publicado como inovação.
Vejamos o mercado de bebidas, por exemplo. No caso das cervejas e refrigerantes, quem consumia estes produtos antes da década de 90 deve se lembrar das garrafas retornáveis. Possuir garrafas de vidro era possuir um patrimônio. Quem quisesse comprar o líquido, precisava obrigatoriamente entregar os vasilhames ou adquiri-los. Os vasilhames de cervejas eram todos iguais e não havia preocupação em retornar a embalagem de uma marca em troca de outra. O volume de lixo gerado era mínimo e o meio ambiente agradecia.
E aí veio a “inovação”! Cervejarias e indústrias de refrigerante lançaram vários tipos de recipientes descartáveis (vidro, alumínio, plástico), vários tamanhos, volumes e cores. Tudo isso para atender a demanda por conveniência, diferenciação, desejos e status dos consumidores. Afinal, quem consome uma cerveja de vidro verde na balada, não é o mesmo “tipo” de pessoa que consome a garrafa marrom. E com isso, quebrou-se todo o aparato logístico que havia para o reuso de garrafas. Atualmente, até as garrafas de cerveja de 600ml, na cor marrom, são descartadas no lixo!
Recentemente, a AMBEV lançou linhas de cervejas com o apelo das “embalagens reutilizáveis” como algo inovador. Realmente, para o consumidor que nasceu a partir dos anos 90, essa é uma grande inovação.
Mesmo que seja uma mentira dizer que “embalagens retornáveis” é uma inovação, o importante é reduzir o lixo no planeta e o consumo de energia para produzir esse lixo.
No entanto, apesar da campanha fomentar a ideia de preservação do meio ambiente como ponto motivador da iniciativa, o grande apelo ao consumidor se dará pelo preço mais baixo do produto.
Questões de preço ainda são os principais direcionadores do consumo consciente, principalmente nos países mais pobres. Pesquisas apontam que o consumo consciente ainda está muito atrelado a redução do desperdício e que a grande parte da população que diz levar em conta questões ambientais na sua escolha de consumo estão na verdade optando por produtos que reduzam seus gastos no final do mês, como no caso de eletrodomésticos de maior eficiência energética.
O dilema preço x meio ambiente também fica evidente quando analisamos o comportamento perante o consumo de combustíveis. Apesar do etanol ser um combustível verde, nacional, gerar empregos no território brasileiro e contribuir na fixação do carbono, qualquer desvantagem no preço leva os consumidores a optarem pela gasolina. Não importa se no final do mês o impacto total seja de 20 reais de diferença, até os endinheirados acabam optando pela gasolina.
O setor automotivo é um grande poluidor do planeta, e é um mercado de grande apelo ao status. Vejamos o exemplo das picapes e seus motores. Os motores diesel ainda são preferidos quando comparados aos modelos flex. Apesar de mais caros, de mais poluentes, e de não valerem mais a pena na relação de economia no combustível, em 2017, um levantamento feito pela revista QUATRO RODAS apontou que 83,7% das vendas de picapes médias no país eram movidas a diesel.[iii] Na indústria do status, o planeta sempre vem depois.
Outro segmento de grande impacto nos recursos naturais é a construção civil. No Brasil, os sistemas construtivos ainda privilegiam o uso de argamassas cimentícias, ferro e aço, e acabamentos de origem não sustentável. No entanto, existem sistemas construtivos e materiais menos agressivos ao planeta, mas que não conferem o status, ou a conveniência, ou a escala necessária para emplacar no mercado.
Técnicas de bioconstrução bem como uso de matérias primas renováveis como o bambu são alternativas seguras e sustentáveis para diversos tipos de edificações, mas dificilmente encontram seu espaço no mercado de massa no Brasil e no mundo. Afinal, quem quer viver em uma casa de bambu e pau a pique?
É muito mais elegante ter móveis e construções de madeira nobre mesmo com prejuízos ao planeta, sendo que grande parte da madeira ilegal extraída da Amazônia é utilizada como matéria-prima na indústria de móveis e na construção civil, tanto no Brasil como em outros países. Uma parte considerável da madeira ilegal é exportada para mercados internacionais que fazem grandes campanhas em prol da preservação das florestas, como os Estados Unidos e Europa, mas que no final fomentam a destruição da mesma.
Em 2020, a ONG Global Witness publicou um relatório que identificou empresas europeias importando madeira ilegal do Brasil em países como França, Itália, Alemanha, Holanda e Reino Unido.
O papel da propaganda
Mas voltando a pergunta, quem quer morar em uma casa de bambu ou de pau a pique? A resposta para essa pergunta atualmente pode ser muito bem, “ninguém”. Mas isso é algo que a indústria da propaganda pode reverter. Basta uma campanha publicitaria de milhões de dólares para criar moda, valores, tendência e desejo na cabeça do consumidor desatendo. Se é possível fazer isso para produtos e comportamentos desnecessários, é possível fazer para os necessários também.
A publicidade é uma ferramenta muito poderosa. Mas ela é movida por interesses puramente capitalistas. O que nos leva a outro paradoxo: como sustentar campanhas publicitárias anticonsumo se o grande financiador das campanhas é o consumo?
Casos de campanha anticonsumo aconteceram na história, como o caso das campanhas antitabaco. Mas elas foram financiadas pelo estado, que enfrentava crescentes custos de saúde pública e viu que era mais barato educar com propaganda contra o consumo do que criar leitos em hospitais.
Além das campanhas publicitárias, outras medidas como aumento de impostos, regulação de mídia e comércio também foram necessárias para frear a adesão de novos fumantes a mensagem das grandes empresas tabagistas.
O papel dos governos também é importante na preservação ambiental. Leis, políticas públicas, incentivos, e outras ferramentas que visam fomentar o mercado verde ajuda na causa. Mas como no exemplo da indústria do tabaco, todos os esforços não conseguem eliminar o consumo destruidor. Somente uma nova consciência pode resolver a questão.
No mundo atual, a propaganda, a mensagem e as histórias continuam influenciando padrões de comportamento, mas numa intensidade muito maior. A quantidade de tempo que as crianças passam em frente às telas todos os dias disparou mais de 50% desde 2020, o equivalente a uma hora e vinte minutos a mais de consumo diário, apontou pesquisa publicada pelo Instituto de Pesquisa do Hospital Infantil de Alberta (Canadá) e as Universidades de Calgary (Canadá) e College Dublin (Irlanda)[iv]. Indiscutivelmente, o tempo de tela com a penetração massiva de celulares e redes sociais é maior do que no passado e a mensagem subliminar corre solta nas redes sociais através não só de anúncios, mas também de um ambiente sem regulação, através de influenciadores digitais e de algoritmos.
As mensagens massivamente veiculadas não tem como objetivo central alinhar os interesses planetários e das gerações futuras. O interesse pessoal e de grupos, o lucro, o curto prazo são os motivadores das campanhas e da comunicação que busca vender a qualquer preço, vender status, desejo e consumo sem ética.
A solução está na vida simples
Por isso, ser ambientalista de bandeira na mão em marchas públicas, ou nas redes sociais, pode até ser legal. Mas não vai resolver o problema que estamos vivendo. Afinal, quem não gosta de parecer verde? O difícil é escapar os padrões de consumo e viver uma vida verde, simples.
O consumo de produtos ecologicamente corretos não deve almejar um status social. Mas sim criar, de verdade, soluções éticas e efeitos positivos em nosso planeta.
Por: Joaquim Alvarenga Neto
Referências:
[i] https://antigo.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/producao-e-consumo-sustentavel/consumo-consciente-de-embalagem/quem-e-o-consumidor-consciente.html#:~:text=O%20consumidor%20consciente%20%C3%A9%20aquele,do%20seu%20ato%20de%20consumo.
[ii] Ecological Awareness or Status Consumption? A Study on the Consumption of Green Products
Fábio da SILVA 1; Luisa Janaína Lopes Barroso PINTO 2; Ana Augusta Ferreira de FREITAS 3; Juliana Melo PEDROSA 4; Luana Silva SPINOSA 5; Luzianne Cardoso da Costa NOGUEIRA 6
[iii] Leia mais em: https://quatrorodas.abril.com.br/noticias/fim-das-picapes-medias-flex-esta-proximo-as-diesel-sao-maioria-nas-vendas
[iv] https://revistacrescer.globo.com/criancas/saude/noticia/2022/11/tempo-de-tela-de-criancas-aumentou-50percent-desde-2020.ghtml
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